Análise da Superfície Eletrostática por APBS
Por que analisar a superfície eletrostática e a solvatação de uma molécula?
Uma compreensão das interações eletrostáticas é essencial para o estudo dos processos biomoleculares. A integração desta informação em modelos físicos para a descoberta de fármacos ou outras aplicações requer a capacidade de avaliar as interações energéticas dentro e entre os biopolímeros. Entre os vários componentes da energia molecular, as propriedades de solvatação e as interações eletrostáticas são de especial importância devido ao longo alcance destas interações e às cargas substanciais dos componentes típicos dos biopolímeros.
Traduzido e adaptado de: https://www.poissonboltzmann.org/
Adicionalmente, tais alterações podem explicar mudanças na superfície a partir de modificações na sequência de aminoácidos. Por exemplo: uma modificação em um sítio que não seja o sítio de ligação. Muitos programas de docking molecular continuarão a prever a ligação com o ligante, alguns sem prejuízo na função de pontuação energética. No entanto, tal modificação pode exercer consequências na superfície eletrostática que podem alterar a afinidade de ligação, mesmo o sítio estando intacto espacial e geometricamente. Uma análise da eletrostática pode revelar tais mudanças e dar sustentação a resultados encontrados in vitro ou in vivo.
Breve teoria
O solvente desempenha um papel crucial na mediação de processos bioquímicos como a interação entre proteínas e entre proteínas e ligantes. Esses eventos ocorrem frequentemente em um ambiente composto por água e íons. Para modelar proteínas em um ambiente tão complexo, moléculas de água e íons podem ser tratados de forma explícita ou implícita (continuum). A primeira permite uma simulação mais precisa, mas é mais "cara" do ponto de vista computacional. Por outro lado, os métodos de solventes implícitos são afetados pelos inconvenientes relacionados à menor precisão, mas são mais rápidos e mais adequados (Vascon et al. 2020).
As propriedades eletrostáticas dependem da distribuição total ou parcial das cargas na superfície 3D de uma proteína. A Lei de Coulomb, normalmente utilizada para descrever o potencial eletrostático, não é adequada para descrever a eletrostática em proteínas, pois descrevem o sistema como um meio dielétrico único. No entanto, as proteínas são um núcleo hidrofóbico envolvido por um solvente. Para este caso, a equação de Poisson-Boltzmann (PBE) é mais adequada para calcular a eletrostática de uma proteína, tratando o solvente de forma implícita e, assim, os efeitos dinâmicos da água não são diretamente internalizados, levando a um melhor entendimento da eletrostática da superfície da proteína.
Como fazer isso?
Existem algumas aplicações simples em programas de visualização de estruturas moleculares que podem fazer essa predição. No entanto, a literatura cita bastante a utilização da ferramenta APBS (Adaptive Poisson-Boltzmann Solver). A aplicação resolve as equações de eletrostática contínua para predição de interações biomoleculares.
O APBS requer dados estruturais precisos e completos, como parâmetros de campo de força, como cargas atômicas e raios e, principalmente, a adição de coordenadas atômicas ausentes em estruturas .pdb
. Do mesmo grupo do APBS, temos uma aplicação chamada PDB2PQR, que automatiza muitas das tarefas comuns de preparação de estruturas para cálculos de solvatação contínua. Tais tarefas incluem:
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Acrescentar quando necessário átomos pesados (não-hidrogênicos) em falta às estruturas.
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Estimar os estados de titulação e protonar biomoléculas de forma consistente e favorável à formação de ligações de hidrogênio.
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Atribuição de parâmetros de carga e raio a partir de uma variedade de campos de força.
O PDB2PQR gera um arquivo de saída .pqr
que pode ser utilizado em vários programas de bioinformática estrutural.
Usando o APBS
Este serviço destina-se a facilitar a configuração e execução de cálculos eletrostáticos tanto para especialistas quanto para não especialistas e, assim, ampliar a acessibilidade da solvatação biomolecular e análises eletrostáticas à comunidade biomédica. Usaremos o exemplo (outros exemplos em documentação do APBS) do receptor de estrógeno do organismo Homo sapiens. Vamos primeiramente utilizar a ferramenta presente no servidor web (APBS), para depois visualizar os resultados no programa UCSF Chimera. Nesse servidor os programas PDB2PQR e APBS já estão interligados entre si.
Passos
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Abra a página do PDB2PQR no APBS server.
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No campo
PDB ID
coloque o código 5E15 e preencha as opções de acordo com a figura abaixo.
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Clique em
Start Job
. -
Na página seguinte faça o download do arquivo .pqr. Depois clique em
Use results with APBS
, em azul, no canto superior direito da página.
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Na próxima página, salve os arquivos terminados em
.dx
e em.mc
. Eles serão necessários para a visualização posterior com os programas. -
Você pode visualizar no próprio navegador, clicando em
View in 3DMol
e ir para a página de visualização
Os arquivos .dx
e .pqr
estão disponibilizados abaixo (para evitar você ter de carregar o servidor toda vez que for executar esse tutorial):
Entendendo a visualização
A visualização padrão (como na figura acima) demonstra inicialmente a acessibilidade por solvente e uma escala do potencial eletrostático de superfície. A cada ponto é atribuído um potencial (em kT/e), ou seja, um valor de 1,0 significa que a energia para uma carga unitária neste ponto é de 1 kT (0,591 kcal/mol). k é a constante de Boltzmann (1.380649×10−23 J⋅K−1) e T é a temperatura absoluta em Kelvin. Valores negativos e positivos são normalmente representados em uma escala que vai do vermelho ao azul, respectivamente. Você pode alterar a visualização para valores maiores ou menores de .
Os potenciais dentro da molécula a partir deste mapa eletrostático calculado não são particularmente interessantes porque são dominados pelas cargas atômicas. Fora da molécula, no entanto, os potenciais assumem o caráter do campo rastreado pelo solvente.
No seletor Surface
você pode ainda escolher entre:
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van der Waals - mostra o potencial eletrostático relativo as interações de mesmo nome.
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Solvent excluded - mostra o potencial eletrostático de superfície sem considerar o solvente.
No seletor Model
você escolhe a forma de visualização da estrutura proteica. As outras opções são a transparência (para verificar a estrutura por trás da superfície eletrostática) e exportar a visualização para um arquivo de figura.
Visualizando no UCSF Chimera
A visualização no UCSF Chimera é bem simples. Anteriormente, o programa tinha uma ligação com um servidor que calculava o APBS. No entanto, tal opção foi desativada. Dessa forma, obrigatoriamente você tem de realizar os cálculos de eletrostática em ferramentas externas e abrir os arquivos dentro do programa.
Vamos aos passos:
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Abra o programa UCSF Chimera.
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Vá em File > Open e selecione o arquivo
.pqr
. A visualização da estrutura da proteína deverá aparecer. -
Agora vá em Tools > Surface/Binding Analysis > Electrostatic Surface Coloring, como mostrado na figura abaixo.
- Ao fazer isso a janela pop-up abaixo irá aparecer:
-
Clique em
Browse...
(1) e selecione o arquivo.dx
. Verifique se na caixa de seleção ao lado de Color surface está o nome do arquivo.dx
selecionado. Deixe a janela acima aberta. -
Agora precisamos mostrar a superfície da molécula. Vá em Actions > Surface > Show..., de acordo com o mostrado na figura abaixo:
- Agora volte na janela pop-up Surface Color e na caixa de seleção ao lado de Color surface, selecione MS MS main surface... .pqr e clique em
Color
(2). Pode demorar um pouco.
- A visualização final ficará como a figura abaixo:
- Na mesma janela acima você pode alterar você pode alterar a visualização para valores maiores ou menores de . Outras opções podem ser modificadas clicando no botão
Options
da janela Surface Color. - Note o encaixe de um dos ligantes (no caso um ligante proteico o coativador transcricional nuclear 2) no seu sítio na proteína. Veja a complementariedade entre as duas em termos de potenciais negativos e positivos.